O que os sonhos podem revelar sobre doenças psicossomáticas

Os sonhos podem revelar doenças psicossomáticas?

Você já teve um sonho estranho ou intenso — e, dias ou semanas depois, ficou doente? Será que o inconsciente está tentando nos alertar antes que o corpo fale?

E mais: seria o sonho uma espécie de aviso precoce, uma expressão simbólica de conflitos internos que estão prestes a somatizar? Essas perguntas intrigantes são o ponto de partida do artigo Dreams that Precede a Psychosomatic Illness (1971), escrito por H. Warnes e A. Finkelstein.* Eu sei, o artigo é antigo, mas nós estamos falando sobre sonhos. Provavelmente neste campo nada mudou de lá para cá. A pesquisa é muito interessante, por isso achei que você poderia gostar.

Nesse estudo instigante, os autores exploram o papel dos sonhos como indicadores precoces de distúrbios psicossomáticos. A proposta central do artigo é que os sonhos podem não apenas refletir estados emocionais inconscientes, mas também anunciar, por meio de símbolos, o aparecimento iminente de doenças físicas.

Neste post, você vai entender:

  • O que são doenças psicossomáticas
  • Como os sonhos podem antecipar sintomas físicos
  • Exemplos clínicos impactantes
  • Por que escutar os sonhos pode ser um caminho de cura

O que são doenças psicossomáticas?

Doenças psicossomáticas são condições físicas que têm origem (ou agravamento) em fatores emocionais. O que está em jogo aqui não é “imaginar” uma doença, mas expressar no corpo aquilo que a mente não consegue elaborar.

Ansiedade crônica, conflitos emocionais, traumas não resolvidos — tudo isso pode, de forma simbólica, se transformar em dor, tensão, problemas respiratórios ou digestivos.

Sonhos como precursores do adoecimento

O artigo parte da hipótese de que os sonhos podem ser o primeiro sinal de que algo está em desequilíbrio na relação entre corpo e mente. E mais do que isso: os autores sugerem que, em muitos casos, o conteúdo onírico precede em semanas ou meses o aparecimento dos sintomas físicos.

Os sonhos, nesse contexto, funcionariam como uma via de expressão simbólica de tensões inconscientes que, se não forem integradas ou elaboradas, acabam se manifestando corporalmente. É como se o inconsciente, não encontrando outra saída, recorresse ao corpo como palco de expressão.

Os autores analisam relatos clínicos nos quais pacientes, posteriormente diagnosticados com doenças psicossomáticas, haviam sonhado com imagens intensas, angustiantes ou simbólicas relacionadas a suas condições. Esses sonhos, muitas vezes, foram negligenciados ou não compreendidos até que o corpo, enfim, adoeceu.

Entre corpo e símbolo: como os sonhos anunciam doenças

Warnes e Finkelstein propõem três formas pelas quais os sonhos e os processos psicossomáticos se relacionam:

  1. Os sonhos como catalisadores da doença: o conteúdo onírico pode precipitar o início de uma enfermidade, como se os conflitos simbólicos ali representados desencadeassem um processo de somatização.
  2. Os sonhos como reflexos dos primeiros sinais fisiológicos: sinais corporais ainda inconscientes podem ser simbolizados nos sonhos antes mesmo de a pessoa ter consciência de que algo não vai bem.
  3. Diferenças de estrutura psíquica entre pacientes psicossomáticos e neuróticos: os pacientes com doenças psicossomáticas tendem a apresentar sonhos com conteúdos menos elaborados, mais simbólicos e menos verbais — o que refletiria um tipo particular de funcionamento psíquico.

Exemplos clínicos: quando o corpo sonha primeiro

O artigo apresenta diversos casos clínicos que ilustram como os sonhos anteciparam, refletiram ou influenciaram o desenvolvimento de doenças psicossomáticas. Abaixo, destacamos os mais marcantes:

Enxaqueca

Pacientes com enxaqueca frequentemente relatam sonhos intensos, cheios de emoções fortes, como raiva ou culpa. Um dos exemplos traz um sonho incestuoso envolvendo o pai — um conteúdo altamente carregado emocionalmente — que precedeu o início de uma forte crise de dor de cabeça.

Asma

A asma foi associada a sonhos que expressavam dependência da figura materna, medo da separação ou sentimentos de sufocamento emocional. Um paciente, por exemplo, sonhou que estava tentando falar com a mãe ao telefone, mas não conseguia ouvi-la — uma imagem simbólica da falta de conexão e da angústia respiratória que viria a seguir.

Hipertensão arterial

Nesse caso, os sonhos refletiam tensões crônicas, muitas vezes ligadas a conflitos insolúveis. Um paciente hipertenso sonhava repetidamente que estava diante de um problema impossível de resolver — uma imagem que os autores associaram à pressão emocional constante, que se traduzia em pressão arterial elevada.

Úlcera péptica

A úlcera apareceu associada a sonhos sobre ingestão, rejeição ou frustração alimentar. Um dos pacientes sonhou que sua comida estava cheia de fragmentos de vidro, o que impedia que ele se alimentasse. Os autores interpretaram isso como um símbolo de uma dificuldade inconsciente em receber algo vital — seja alimento, amor ou cuidado.

Doenças cardíacas

Os sonhos relatados por pacientes cardíacos incluíam imagens de queda, peso ou opressão no peito. Um deles sonhou que estava sendo esmagado por uma pedra enorme — uma imagem vívida que, dias depois, se confirmou como um infarto.

Artrite reumatoide

A artrite foi relacionada a sonhos sobre imobilidade e dependência. Uma paciente sonhou que estava presa ao avental da mãe, sem conseguir se soltar. Essa imagem simbolizava, segundo os autores, uma ligação infantil e paralisante com a figura materna, que depois se refletiu na rigidez física provocada pela artrite.

Por que prestar atenção aos sonhos?

Os autores defendem que a análise dos sonhos pode ser uma ferramenta poderosa na prevenção e intervenção precoce de doenças psicossomáticas. Quando bem interpretados, esses sonhos oferecem pistas sobre os conflitos inconscientes que ameaçam transbordar para o corpo.

Ao reconhecer essas mensagens simbólicas, o paciente pode, com ajuda terapêutica, elaborar seus conteúdos internos e possivelmente evitar que eles se tornem sintomas físicos.

Além disso, o estudo sugere que os sonhos não apenas revelam aspectos do funcionamento psíquico, mas também oferecem um mapa emocional do adoecimento. Eles mostram onde a dor começou, mesmo que o corpo ainda não tenha falado.

Um convite à escuta profunda

Este estudo nos convida a levar os sonhos a sério — não apenas como curiosidades da mente, mas como sinais profundos do que estamos vivendo, muitas vezes sem perceber. Em um mundo que costuma separar mente e corpo, o artigo de Warnes e Finkelstein propõe justamente o contrário: a união simbólica entre as experiências emocionais e os sintomas físicos.

Se você costuma ter sonhos marcantes antes de adoecer, ou se tem interesse na linguagem simbólica do corpo e da psique, esse artigo é uma leitura fundamental. Ele nos lembra que, antes do corpo gritar, talvez ele sussurre — nos sonhos.

Bons sonhos para você!

*Acessei o artigo através deste link: https://journals.sagepub.com/doi/epdf/10.1177/070674377101600405

Sobre a autora

Giane é psicóloga junguiana com mais de 20 anos de experiência em interpretação dos sonhos. Apaixonada por simbolismo e autoconhecimento.